Liderar é uma habilidade que nem todos possuem e que é bastante necessário atualmente, principalmente no contexto organizacional. As gerações, os negócios e o contexto empresarial mudam, porém algumas características e exemplos de liderança podem garantir a qualidade de um bom líder em qualquer época e em qualquer circunstância.

A liderança é conceituada como por Parreira (2000) como o processo de influência e de desempenho de uma função coletiva orientada para consecução de resultados, aceita pelos membros dos grupos. Ainda segundo o autor, liderar é pilotar a equipe, o grupo, a reunião, é prever, decidir, organizar. O líder, portanto, é aquele que convence e une esforços de pessoas em prol de um objetivo comum. O papel de um líder está diretamente relacionado ao gerenciamento de pessoas, independente da sua área de atuação. É importante ressaltar que, conforme o conceito apresentado, as decisões do líder são “aceitas pelos membros do grupo”, ou seja, o líder não é aquele que impõe a sua vontade.

Muitos líderes se tornaram heróis ao longo da história por suas vitórias e alcance dos objetivos, porém, um líder não precisa necessariamente ganhar sempre para ser considerado um. Existem grandes líderes que alcançaram resultados inimagináveis, deixando lições e exemplos, porém, sem conquistar o principal objetivo de seus esforços.

Um exemplo notável de líder foi o irlandês, oficial britânico da Marinha Mercante, Sir Ernest Shackleton (1874-1922), que entre outras expedições, liderou a Expedição Imperial Transantártida, a bordo do Endurence, entre os anos de 1914 a 1917 numa viagem que pretendia realizar a primeira travessia terrestre do continente Antártico. Shackleton não conseguiu alcançar seu objetivo, porém, mesmo com todas as dificuldades encontradas durante a viagem (frio, fome, escassez de recursos, descaso do governo) ele retornou da expedição com toda a tripulação viva e em níveis razoáveis de saúde.

O fato de Shackleton não ter alcançado seu objetivo inicial no polo sul não diminui as qualidades de um grande líder. Essas qualidades são percebidas em diversas atitudes, desde o planejamento da viagem a até o seu desfecho.

Ao selecionar sua tripulação para a viagem é possível perceber a visão  de  Shackleton sob diversas perspectivas, entre elas a técnica, da equipe, de interação e de segurança. Ele preocupava-se até com detalhes à princípio sem importância mas que durante a viagem fariam toda a diferença.

Sua tripulação era formada por:

  •  Profissionais experientes;
  •  Um substituto confiável, que partilhava de suas noções de liderança e era leal: a escolha do substituto com essas características, aparentemente, reflete a preocupação de Shackleton com o rumo da viagem e seus comandados, caso ele viesse a faltar;
  • Pessoas que compartilhassem sua visão e seu entusiasmo pela exploração: além de manter um alinhamento dos objetivos, essa característica pode ter sido fundamental para manter a tripulação unida e motivada durante os momentos mais difíceis da viagem, uma vez que todos compartilhavam do mesmo sentimento pela exploração;
  • Pessoas otimistas: a viagem do Endurece durou mais de dois anos, nesse tempo o navio naufragou a temperaturas abaixo de 0, os tripulantes tiveram que abrir mão de seus pertences, tiveram que atravessar grandes distâncias à pé, se os tripulantes não tivessem a convicção ou ao menos esperança de que um dia todo esse sofrimento acabaria, certamente teriam desistido no primeiro obstáculo;
  • Homens que realmente queriam o emprego;
  •  Pessoas humildes, que não se esquivasse de realizar tarefas de outras áreas que não a sua: algumas tarefas do navio eram divididas igualmente, sem distinção de função (marinheiros, cientistas, oficiais) como a limpeza, por exemplo. Isso promovia a interação da equipe e ainda demonstrava a igualdade de importância de todos os homens, ninguém é melhor ou pior que ninguém;
  • Pessoas que tinham os conhecimentos especializados que lhe faltavam.

Além de observar todas essas características ao selecionar sua equipe, Shackleton certificava-se de que todos soubessem exatamente o que se esperava deles e ainda, durante a entrevista fazia perguntas sobre o que as pessoas gostavam de fazer nos momentos de folga. Esse fato demonstra o pensamento estratégico dele. Pela sua experiência, Shackleton sabia que haveria momentos tensos durante a viagem, por isso incentivava a prática de esportes e outras atividades para manter a saúde física e emocional de seus tripulantes, além promover a interação da equipe, formando um  grupo forte e unido.

Sem perder a autoridade e o respeito, Shackleton relacionava-se com seus comandados de igual para igual, dando bons exemplos. Se fosse necessário se livrar dos pertences para diminuir o peso da bagagem, ele era o primeiro a abrir mão dos seus. Preocupava-se com os tripulantes, estando sempre aberto ao diálogo, mantendo informados sobre os assuntos do navio, elogiando, dando feedback quando necessário. Era imparcial e sempre que um tripulante passava por necessidade a satisfazia cuidando sempre para que isso não o desmotivasse.

O estilo de liderança de Shackleton possui bastante relação com o desenvolvimento pessoal baseado em princípios e valores, abordado pelo autor Stephen R. Covey  em seu livro Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. Covey defende que para alcançar a eficácia tanto profissional como em suas relações pessoais, suas atitudes devem estar alinhadas a princípios e valores aos quais acredita.

Um dos princípios de Shackleton certamente era a lealdade. Mesmo após regressar da aventura do Endurance com tantas dificuldades, ele não mediu esforços para voltar e resgatar seus companheiros de viagem. Sem o apoio do governo inglês, envolvido na I Guerra Mundial, Shackleton passou 4 meses tentando organizar um expedição para buscar seus companheiros, que conseguiu com o patrocínio do governo chileno.

Outro princípio que pode ser observado de acordo com os diários de bordo de seus tripulantes é o da justiça. Shackleton não fazia distinção entre os membros da equipe e conta-se que certa vez, ao fazer o sorteio dos sacos de dormir em um acampamento, os marinheiros levaram os melhores sacos. Provavelmente ele havia percebido que aqueles eram os homens que mais precisavam de descanso e usou o sorteio a favor deles.

A liderança baseada em valores e princípios não envelhece, não morre com as gerações, pois  eles não mudam, não congelam a baixas temperaturas, não evaporam em temperaturas elevadas, nem se escondem em situações adversas, são traços do caráter pessoal. Se Shackleton fosse um líder da atualidade, com suas características preservadas, ainda seria uma grande líder.

No mundo dos negócios, com sua habilidade de selecionar bem as pessoas para trabalharem com ele, Shackleton certamente seria um ótimo recrutador e teria poucos problemas com turnover. Sua empresa gastaria menos com demissões e ele teria uma equipe alinhada à visão da organização, unida e motivada, pronta para enfrentar grandes desafios.

Outro exemplo de utilidade de suas características no mundo atual é sua visão do todo. Em um mundo onde as pessoas, e principalmente a concorrência, tem a liberdade e poder (através dos meios de comunicação em larga escala) de expressar sua opinião livremente e promover ou causar danos à empresa e a marca, analisar cada situação sob diversas perspectivas é fundamental. Decidir após a previsão de efeito e impacto das ações, reduz consideravelmente o risco de se ter prejuízos futuros, não apenas financeiros.

Shackleton poderia encontrar dificuldades em se adequar as novas exigências do mundo moderno dos negócios. A legislação trabalhista, por exemplo, poderia ser um inibidor de suas estratégias de interação a partir das divisões de tarefas. Um funcionário contratado para exercer a função de engenheiro poderia alegar desvio de função caso seja solicitado a realizar a faxina da empresa (como acontecia no Endurece). Além deste, pode-se citar também o limite do horário de trabalho, entres outros.

A pressão das empresas pelo cumprimento das metas de seus funcionários também poderia ser uma dificuldade enfrentava por Shackleton, que colocava sempre a segurança e bem estar de seu equipe em primeiro lugar.

Porém, essas dificuldades, que estão mais relacionadas a questões de adaptação, não impediriam que alguém com as características de Shackleton fizesse um bom trabalho enquanto líder de uma organização no mundo atual, pois, como dito anteriormente, sua liderança era baseada em princípios e valores. Talvez sua maior dificuldade seria encontrar uma empresa que partilhassem dos mesmos valores para então realizar um trabalho brilhante.

Texto publicado originalmente no site Administradores.com